Objetos do passado viram símbolos de identidade e criam novas conexões para a geração atual
Ana Clara Magro (pauteira e editora) e Maria Clara Catuchi (repórter e fotógrafa)
12/05/2025, às 16h30

Uma geração que cresceu com a internet, com tudo a um clique de distância e já deslizando os dedos pelas telas, agora sente nostalgia por um tempo que não viveu. A chamada geração Z, jovens nascidos entre 1995 e 2010, está transformando acessórios, elementos e equipamentos de décadas passadas em parte de suas personalidades e estilo de vida.
Em 2025, a onda nostálgica, que mistura o desejo de autenticidade com a fuga do ritmo frenético da era digital, está mais forte do que nunca. Redes sociais tornaram-se vitrines dessa paixão, as hashtags #retroaesthetic e #vintagestyle acumulam, respectivamente, 3,3 milhões e 39,4 milhões de publicações no Instagram; já no TikTok, os números chegavam a 86,7 mil e 762,1 mil vídeos (até a data da publicação desta matéria).
Os vinis e CDs, por sua vez, também vivem um renascimento notável. Um levantamento feito em março de 2024 pela Pró-Música Brasil, entidade que representa as principais gravadoras do mercado fonográfico brasileiro, aponta que a onda nostálgica e curiosa do público gerou resultados positivos. De todas as mídias físicas vendidas no país durante o ano passado, 76,4% correspondem aos discos de vinil, resultando em R$ 16 milhões.
No centro de Presidente Prudente, Eugênio Balan é dono da Mystery Rock Store, ponto de encontro entre os apaixonados por música, especialmente pelo rock. No espaço, ele vende vinis, CDs, camisetas de bandas e outros itens que vêm conquistando uma nova geração de jovens interessados no universo retrô.
“Nos últimos anos, notei um aumento claro do interesse dos jovens. Muitos deles não viveram a história do vinil, então pesquisam, estudam e querem aprender. Eles vêm até aqui, a gente conversa bastante e muitas vezes eu também aprendo com eles. O que me surpreende é esse resgate, eles buscam no vinil a história da música e acabam misturando com a música contemporânea. É uma troca legal, porque um aprende com o outro, gerações diferentes se encontram no mesmo gosto”, afirma Eugênio.

Quem são esses jovens?
Dentro da estética vintage dos jovens dessa geração, estão os universitários Julia Mendes, Leonardo Alcântara e Manuela Ferreira, que são alunos do 2º termo de Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicação e Estratégias Digitais da Unoeste.
Trajados com roupas inspiradas nas que marcaram os anos 80 e 90, carregando uma câmera analógica, um discman e fascinados por vinis, os três se conheceram na faculdade e a amizade nasceu principalmente dos gostos em comum.

Para os três, o primeiro contato com o retrô veio cedo. Leonardo conta que cresceu com os avós e buscou sempre dar valor às coisas que tinham em casa. “Enquanto meus amigos já assistiam filmes pela internet, eu não tinha computador e nem acesso on-line, então comprava DVDs, e até hoje tenho alguns. Assim fui desenvolvendo o gosto por coisas antigas. Além de que uma coisa leva a outra: você se apega a um produto retrô e acaba querendo ter outros em mãos, como CDs, DVDs e vinis”, relata.
Julia também cresceu cercada pelos avós e lembra que o primeiro objeto que teve contato foi uma máquina de escrever. “Cresci ouvindo música em rádio, com TV de tubo, uma parede de DVDs, um computador enorme que precisava até chutar a CPU pra ligar. Então, praticamente desde que nasci, estive rodeada por esse universo e a gente mantém até hoje, por tradição, por gostar e ter esse carinho.”
“Eu sempre explorei muito as coisas antigas que ficavam em casa. Tinha fita, muita coisa, e sempre teve toca-discos. Gostava muito, principalmente da parte musical e também do cinema, porque a gente sempre assistiu muitos filmes”, lembra Manuela.

Música que o tempo não apaga
Em tempos de nuvens e playlists do spotify, os três repetem uma ideia: nada garante que tudo continuará disponível para sempre no digital. Brigas contratuais podem tirar catálogos inteiros do streaming; redes sociais somem, links quebram. Já o disco, o CD e a foto impressa, permanecem.
“E tem também a praticidade. Esses dias fiquei sem celular e percebi que posso passar tranquila um dia sem tela, mas eu preciso ouvir música. Tenho um Discman e CDs, não dependo do celular. Isso é muito prático, além da questão da preservação”, reforça Julia.
Já Leonardo é um amante de vinis, segundo ele, a experiência de escutar música é totalmente diferente do que o streaming, onde se distraía facilmente com o celular e não absorvia o que ouvia. “Com o vinil é diferente, porque só de escolher o disco, tirar da capa, limpar, colocar na vitrola e baixar a agulha, esse ritual já me faz prestar atenção de verdade na obra. Tenho, por exemplo, um disco de 1959, é um objeto que atravessou acontecimentos e gerações, e agora está na minha mão. Cuidar dele é como preservar uma parte da história que eu gosto muito”, relembra Leonardo.

E na moda?
O apego ao retrô não fica só nos objetos, também chega ao guarda-roupa e à identidade, fazendo com que o gosto por décadas específicas transborde para o visual. Para muitos jovens, vestir-se como seus ídolos da música ou do cinema é mais do que uma escolha estética, mas sim uma forma de afirmação pessoal e até de resistência diante de padrões atuais.
Manuela conta que desde a infância buscou autenticidade no visual e que tem várias inspirações. Do rock, Joan Jett e Hayley Williams, e no MPB, Cássia Eller e Rita Lee.

“Minha mãe sempre falava: se você gostou, sustenta o seu estilo. Então desde criança eu me imaginava vestida como uma estrela do rock ou do cinema. Isso sempre me acompanhou”, lembra Manuela.
Manu, que mantém o estilo que a acompanha desde a infância, também lembra que cortar o cabelo curto e usar roupas mais ousadas já gerou estranhamento, mas hoje encara esses olhares como parte da afirmação de quem é. “Isso faz eu me sentir diferente do padrão que a sociedade impõe, e eu estou feliz com isso”, afirma.
Leonardo também leva a estética como marca pessoal, inspirado principalmente na música. “Comecei a usar jeans azul e camiseta branca por causa do Born in the USA, do Bruce Springsteen. Você olha o estilo da época, admira os músicos e acaba trazendo isso pra si”, explica. Segundo ele, vestir-se inspirado em ídolos também é uma forma de resistência. “Já me criticaram por usar uniforme da escola para dentro da calça, igual ao Cazuza. Mas sustentar o estilo é mostrar quem você é.”

Para Julia, a história é a mesma: “Voltei a usar calça flare depois de um trote na escola em que me vesti na vibe dos anos 70. Lembro que corri a cidade inteira para achar uma blusa de manga boca de sino e depois decidi usar mais vezes. Comecei a ter ídolos que também me levaram a esse universo. Eu tinha duas principais: a Stevie Nicks, no auge do Rumors, do Fleetwood Mac, e a Taylor Momsen, do The Pretty Reckless. Também adoro a Hayley Williams, do Paramore. Essas mulheres me marcaram e acabaram influenciando meu gosto e meu estilo.”

Rebobine e veja os melhores cliques









