Com rotina corrida, estudantes da Geração Z transformam tempo no transporte público em oportunidade de organização, lazer e produtividade
Marianne Santana e Leandro Pinheiro
19/09/2025, às 17h
Entre a pressa para conciliar trabalho, faculdade e vida pessoal, o trajeto de ônibus deixou de ser apenas deslocamento para muitos jovens que estudam em Presidente Prudente (SP). Dentro do coletivo, eles encontram tempo para descansar, adiantar trabalhos acadêmicos, organizar “freelas”, ler livros ou até se maquiar antes da aula.
Segundo a psicóloga Maria Eduarda Ronchi, a forma como esses jovens utilizam o ônibus revela a velocidade da rotina em que vivem. “Muitos buscam ser produtivos, estudando ou trabalhando, enquanto outros recorrem ao celular para descansar e aliviar o estresse. Isso mostra a pressão constante por rendimento. Com tanta sobrecarga mental, o ônibus vira também um espaço de desconexão”, explica.
Adrielly Gonçalves, de 19 anos, estudante de Publicidade e Propaganda na Escola de Comunicação e Estratégias Digitais da Unoeste, passa cerca de uma hora no ônibus até a faculdade, tempo estimado entre Rancharia (SP) e Prudente. O sinal fraco de celular ao longo da estrada virou incentivo para abrir livros de fantasia, como a saga Percy Jackson.

“O ônibus acaba sendo um espaço em que consigo desacelerar e relaxar. Às vezes leio, outras me organizo para os trabalhos e, quando o cansaço bate, tiro um cochilo. Se eu não tivesse esse tempo, minha rotina seria muito mais estressante”, afirma.
Para ela, o transporte também já se transformou em quarto improvisado (assista ao vídeo acima). “Na correria, preciso me maquiar ou ajeitar o cabelo no ônibus. Já aconteceu de o trajeto estar cheio de curvas e eu errar o traço do batom ou quase deixar a escova cair”, conta.
De acordo com a psicóloga Ronchi, situações como essa evidenciam a tentativa de equilibrar múltiplas demandas em espaços improvisados. “O ônibus pode ser o único lugar onde a pessoa encontra tempo. Isso mostra como as pausas reais no dia a dia estão cada vez mais escassas”, avalia.
“Se o tempo de descanso ou de autocuidado acontece só no trajeto, significa que faltam pausas reais na rotina. E sem esses intervalos, corpo e mente acabam ficando mais cansados e sobrecarregados”, alerta a profissional.

📱 Multitarefas no transporte
Já Ana Lívia Ferancin, de 21 anos, encontrou no ônibus um espaço para manter a produtividade. Entre Pirapozinho (SP) e Prudente, ela aproveita os 30 a 40 minutos de viagem para atualizar trabalhos da faculdade e até adiantar os famosos trabalhos autônomos, os “freelas”. “Uso bastante o Canva no celular. Já aconteceu de acabar a bateria bem na hora de entregar um trabalho, precisei sentar perto do motorista para carregar e enviar a tempo”, lembra.
Para a estudante, a experiência mostrou que é possível usar o tempo no transporte a seu favor. “O ônibus acabou me ajudando mais do que eu imaginava, porque consigo descansar e, ao mesmo tempo, colocar tudo em dia”, afirma.
Nesse ponto, Ronchi chama a atenção para o equilíbrio necessário: “A multitarefa pode ser vista como um recurso, quando bem dosada. Mas, em excesso, ela gera sobrecarga emocional, dificuldade de foco e pode aumentar os riscos de ansiedade e estresse.”

🚌Transporte em números
Segundo a Prefeitura de Presidente Prudente, a adoção da tarifa zero aos fins de semana aumentou em 38% o uso do transporte coletivo. A média de passageiros passou de 12,8 mil para 17,7 mil usuários aos sábados e domingos. Até julho de 2025, a cidade incorporou 25 ônibus novos à frota urbana, todos equipados com ar-condicionado, Wi-Fi e acessibilidade.
Hoje, o sistema local conta com 83 veículos em operação, distribuídos em 39 linhas, para atender a população de cerca de 225 mil habitantes, de acordo com o Diário do Transporte. Em relação a região do oeste paulista, não é possível obter um dado preciso, por se tratar de veículos públicos e particulares.

Dados nacionais ajudam a contextualizar a realidade dos jovens passageiros. Pesquisa da CNT (2024) mostra que as classes C e D/E são as que mais dependem de ônibus, representando 79,2% dos deslocamentos. Além disso, uma pesquisa da DemandSage (2025) mostra que a Geração Z apresenta a maior dependência de smartphones, usando o aparelho por 6 horas e 37 minutos diariamente.
Para a psicóloga, a forte presença digital reforça esse cenário de excesso. “A geração está acostumada a otimizar cada minuto, mas muitas vezes tem dificuldade de simplesmente desligar e descansar de verdade. É importante criar pequenas pausas estruturadas, mesmo no ônibus, escolhendo entre ouvir música, meditar ou ler algo leve”, conclui.