Uso consciente pode transformar a tecnologia em aliada da aprendizagem, mas professores alertam sobre possível dependência e perda de autonomia dos alunos
Enzo Mingroni (repórter) e Lucas Dantas (editor)
26/09/2025, às 17h30

A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser apenas um recurso distante e passou a fazer parte da rotina dos estudantes brasileiros, inclusive para os alunos da Escola de Comunicação e Estratégias Digitais da Unoeste. Seja na realização de resumos, na organização de tarefas ou até na criação de roteiros, a tecnologia está cada vez mais presente no ambiente acadêmico.
Entre os alunos, a IA aparece como aliada em brainstorms, revisões e até no auxílio de trabalhos criativos. A estudante de Publicidade e Propaganda, Lorena Bueno Garbosa, conta que gosta de usar a ferramenta como complemento, mas nunca como substituta da leitura. “Gosto de usá-la para imagens ou frases já feitas que podem ser melhoradas em resolução. Mas sou uma leitora e gosto de realmente ler os artigos e matérias”, relata.
Lorena ainda destaca que a IA pode servir como “faísca criativa”. Como exemplo, ela cita sobre como a ferramenta a ajudou em um trabalho da faculdade. “Estava fazendo uma atividade que envolvia a criatividade e inovação de um banner e sentia que ainda faltava algo. Escrevo no Chat GPT todos os meus pensamentos e apenas com uma frase explicativa, eu soube o que estava faltando para dar o real embasamento”, relembra.
Visão da psicologia
A psicologia conversa diretamente com a relação entre os jovens e a IA. Para a psicóloga e neuropsicóloga Thais Elias Pessa, esta relação é ambígua, já que a praticidade das ferramentas traz ganhos, mas também esconde armadilhas.
“A IA facilita a vida e parece resolver tudo de forma rápida. Mas é justamente aí que mora o risco, pois quando tudo vem pronto, se perde a oportunidade de pensar, de pesquisar, de criar a própria resposta”, explica Thais.
A psicóloga ainda alerta que a folga gerada pela Inteligência Artificial nem sempre vira descanso. Muitas vezes, vira mais pressão para produzir, o que pode gerar ansiedade.
“Quanto mais fácil e rápido é obter uma solução, menos queremos lidar com o esforço de descobrir por conta própria. Isso pode aumentar a ansiedade, porque, quando tudo está sempre disponível, passamos a nos cobrar para não demorar em responder, não falhar e, qualquer momento em que a tecnologia não está acessível, pode gerar inquietação ou preocupação. Além disso, a concentração também fica mais difícil”, completa a psicóloga.
Por fim, Thais acredita que o uso excessivo faz com que, aos poucos, as pessoas fiquem dependentes da ferramenta e não sabem como lidar com a ausência da máquina.
Perspectiva acadêmica

Já o professor universitário Mário Augusto Pazoti, mestre em Ciência da Computação, ressalta que a IA pode tanto favorecer quanto prejudicar os estudantes.
De acordo com ele, se o uso for passivo, copiando respostas prontas, o pensamento crítico pode reduzir. Mas, se usado de forma guiada, pode abrir novas perspectivas, simular debates e oferecer múltiplos pontos de vista.
Ele ainda indica que escolas e universidades podem ter três caminhos para o uso consciente dessas ferramentas:
- Investir na educação digital, ensinando aos alunos sobre limites, viés e confiabilidade das IAs.
- Definir políticas claras, indicando quando e como a IA pode ser usada em trabalhos e avaliações.
- Promover uma integração pedagógica, transformando a IA em ferramenta de apoio (assim como as calculadoras foram no passado), sem que substitua a reflexão e a capacidade de aprender.
Já o professor Anderson Gomes, de Tecnologia da Informação, avalia que o impacto da Inteligência Artificial no cotidiano dos jovens representa uma profunda transformação no ambiente de aprendizado e na forma como interagem com o conhecimento. O professor ainda destaca que o papel da IA é ambivalente, já que, se usada de forma passiva, pode vencer o esforço intelectual, mas, quando bem integrada ao processo pedagógico, se torna uma força transformadora.
“Podemos usar a IA para automatizar tarefas repetitivas, liberando tempo para que os estudantes se dediquem a projetos mais complexos e a debates aprofundados, onde a capacidade de argumentar e pensar criticamente é essencial”, afirma o professor Anderson.

Quando a IA pode ser prejudicial?
Um levantamento realizado pela Inside Higher Ed, portal norte-americano de ensino superior, mostrou que 85% dos estudantes universitários dos Estados Unidos usaram IA generativa em trabalhos acadêmicos no último ano. Os principais usos foram para brainstorming (55%), tirar dúvidas como tutor (50%) e estudar para provas (46%).
Metade dos participantes relatou que a tecnologia tem efeitos mistos no pensamento crítico: em alguns momentos ajuda, mas também pode fazer com que pensem de forma menos profunda. O estudo ainda apontou que muitos alunos sentem dificuldade em estudar sem a IA, confiando excessivamente nas respostas, mesmo quando elas apresentam erros ou informações superficiais.
Ferramentas mais usadas
Segundo os professores Mário Pazoti e Anderson Gomes, e o blog de Fernando Giannini, estas são algumas das ferramentas de IA mais úteis para estudantes:
- ChatGPT: chatbot para dúvidas, resumos e estudos interativos.
- Gemini: plataforma de geração de textos e pesquisas do Google.
- NotebookLM: assistente de escrita e pesquisa com base em fontes enviadas.
- Perplexity AI: busca com referências confiáveis.
- Quizlet (com IA): criação de flashcards e exercícios.
- Khanmigo (Khan Academy): tutor virtual para diferentes disciplinas.
- Grammarly, DeepL e Microsoft Copilot: correção gramatical, tradução e apoio em textos.
- Otter.ai: ferramenta de transcrição de áudio em texto.
- Mendeley: organizador de referências e citações acadêmicas.
Essas opções mostram que a IA pode ser grande parceira na vida acadêmica, desde que usada com consciência, equilíbrio e espírito crítico.
Favorável ou não?
A resposta sobre os impactos da Inteligência Artificial no cotidiano dos estudantes não é única: depende do uso.
Segundo os professores, quando essas ferramentas são utilizadas sem orientação, há riscos claros. O acesso facilitado a respostas prontas pode levar à passividade, à perda do pensamento crítico e até à disseminação de informações equivocadas, prejudicando o aprendizado e a autonomia dos alunos.
Por outro lado, quando a IA é incorporada de forma consciente e estratégica ao processo de ensino, ela se torna uma aliada poderosa. Nesse cenário, as ferramentas permitem maior personalização do aprendizado, ampliam o acesso a conteúdos relevantes e estimulam o engajamento.
O ponto central é garantir que o uso seja responsável, relacionando a tecnologia com a iniciativa e a reflexão dos estudantes.
Conforme os professores Mário e Anderson, como educadores, a IA, se for bem integrada ao processo pedagógico, pode ser uma força transformadora, que permite ir além da memorização e do básico. Ela pode incentivar os alunos a se concentrarem em habilidades de nível superior, como a análise, a avaliação e a criação. Agora, segundo eles, se usada de forma passiva, a tecnologia pode minar o esforço intelectual necessário para o desenvolvimento do pensamento crítico.