por Marianne Santana
12/05/2025, às 17h30

A cada refrão, a rapper baiana Duquesa reafirma o que já se tornou evidente: ela “engoliu a cena”, como canta no single “No Meu Club”’. O verso não é uma ameaça, mas a constatação de quem trilhou uma caminhada longa e nada linear até chegar ao novo EP SIX., lançado em 29 de agosto. São sete faixas que costuram rap, R&B, house e indie rock em uma obra que funciona como autorretrato artístico: múltiplo e imponente.
Nascida em Feira de Santana, interior da Bahia, Duquesa começou a cantar muito cedo. O público mais atento talvez a tenha conhecido em um vídeo postado há cerca de 10 anos no Facebook, em que a artista, antes apenas uma menina, aparece sentada na cama, com um violão nas mãos, interpretando um cover da canção ‘Viva’, do grupo Zimbra. A palavra “poesia” escrita ao fundo parecia anunciar o futuro da artista. O registro simples viralizou, somando mais de 600 mil visualizações, e deu o primeiro empurrão em sua trajetória.
Pouco depois, aos 15 anos, Duquesa participou de uma faixa do grupo local Sincronia Primordial. A partir dali, mergulhou de vez na música, mas sempre em meio a improvisos e dificuldades. Sem dinheiro para figurinos, reformava roupas para não repetir no palco. Gravava clipes em locações improvisadas. Dependia de caronas para se apresentar em cidades vizinhas. Os problemas quase a fizeram desistir: chegou a concluir a faculdade de Publicidade e Propaganda, imaginando outro caminho profissional. Mas a música a puxava de volta. Era ali que sua voz realmente tinha força.

Esse percurso moldou o olhar da artista sobre a própria carreira. Duquesa enxerga cada projeto como parte de um plantio, um processo que exige paciência, mas que traz frutos quando chega a hora. “O melhor de mim ainda não chegou”, disse em entrevista à Nós, há 3 anos, revelando a convicção de que tudo tem seu tempo certo. Essa postura não a impediu de acumular conquistas rápidas: nos últimos anos, lançou os álbuns Taurus e Taurus Vol. 2, somou parcerias de peso com Rincon Sapiência, Baco Exu do Blues e Urias e, em 2021, viveu um dos momentos mais marcantes da carreira ao dividir o palco com Mano Brown no Afropunk Festival.
Identidade em construção
Cada lançamento foi lapidando uma estética que hoje é inconfundível. Suas letras transitam entre vulnerabilidade e clareza, ora falando de cicatrizes e amores perdidos, ora de força e poder. Se em músicas como “Diz” e “Versase” já revelava habilidade para passear do trap ao R&B, em SIX. esse trânsito sonoro é mais consciente e ousado.
A versatilidade nasce também das referências que carrega. Duquesa cresceu ouvindo Alcione, Péricles, Maria Bethânia e Marília Mendonça, mas também absorveu a cadência melancólica de Dolores Duran e a batida global do house. No novo EP, essas camadas se encontram de maneira orgânica. Há espaço para dor e melancolia, mas também para reconstrução e desejo de futuro. “Toda mulher no mundo tem um pouco de Duquesa”, crava em um dos versos do hit “Quantas coisas cabem na minha bag?”.
SIX. abre caminhos diferentes sem perder coerência. “Fuso Remix”, com TZ da Coronel, é firme e marcante; “Number One”, parceria com Leys, aposta na sensualidade e na autoconfiança; já “Toda Garota Como Eu”, com a banda Iorigun, traz atmosfera introspectiva com toque indie rock. Com a produção de Go Dassisti, THS e Iorigun, nada soa improvisado: tudo reforça a busca por uma assinatura estética clara.
Voz incontornável no rap
O reconhecimento já vem além das fronteiras brasileiras. Em 2024, Duquesa foi indicada ao BET Awards, uma das maiores premiações da música preta mundial. O feito confirmou que sua voz já ecoa para além da cena nacional. No rap brasileiro, espaço historicamente dominado por homens, sua presença é mais que relevante: é revolucionária.
Vinda do Nordeste, região muitas vezes invisibilizada pela indústria musical, ela abre caminhos para outras mulheres pretas e periféricas que sonham com o microfone. Sua trajetória prova que representatividade não é discurso, mas prática diária: na escolha das parcerias, na forma de se vestir, na maneira como se posiciona publicamente.

SIX. é a afirmação de que Duquesa não cabe em caixinhas. É ousado, plural e cheio de identidade. Mas também é apenas mais uma etapa de uma jornada que promete ser ainda maior.
O presente já a coloca como uma das maiores artistas de rap no Brasil, com mais de 3,4 mi de ouvintes mensais em apenas uma plataforma brasileira de áudio. O futuro aponta para algo ainda mais potente: Duquesa não é só uma artista de destaque, está se tornando ícone de uma geração.
Em um dos seus versos do single Big D!!!!! Pt. 2, ela mesma já deixa pistas do que virá: “Primeiro cê foca no lucro, pra depois focar no fútil / Essa sempre foi a minha primeira regra”. Essa é a síntese de sua caminhada e se alguém duvida, basta ouvir.